terça-feira, 27 de julho de 2010

Sonho do trem bala ou pesadelo de uma bala perdida

Nos últimos dias temos escutado notícias sobre a reativação do projeto do “trem bala”, o de alta velocidade entre o Rio de Janeiro e São Paulo. Trata-se, não restam dúvidas, de um sonho acalentado há muitos anos por alguns políticos e autoridades deste país. Um sonho que vai e que vem se perdendo na esteira do tempo. Há muito tempo. Um sonho que, recentemente, foi cantado em prosa e verso por autoridades de Brasília, numa adaptação para a ligação entre a capital federal e Goiânia, capital de Goiás.
Afinal, o Japão possui o seu trem bala há muitos anos, o mesmo acontecendo na França com o seu TGV e alguns outros países da Europa que já desenvolveram esse tipo de transporte moderno (para nós) e verdadeiramente confortável. E cada vez que o sonho volta à baila, lá se vai uma missão brasileira para o Japão ou para a França, em busca dos subsídios técnicos que permitam seu desenvolvimento no Brasil. E, voltando essa missão, nada acontece, até que uma nova missão parta em busca do sonho novamente.
Pensando bem, não deveria acontecer tão cedo essa implantação do batizado “trem bala” por aqui. E por quê? Porque certamente temos outros problemas mais importantes a desenvolver dentro da realidade brasileira. E não somente na área dos transportes públicos, onde os investimentos do setor são em geral elevadíssimos face às dimensões continentais do nosso País. E, por conta disso, por que não pegar esse maciço investimento previsto para o trem bala e aplicá-lo na segurança pública brasileira, por exemplo, tão desprovida atualmente de meios para uma ação eficaz. Nessa segurança em que o pesadelo das balas perdidas tem sido constante ameaça para a população de várias cidades, especialmente as que lutam no dia a dia pela redução da criminalidade ocasionada pelo tráfico das drogas.
Ou seja, pelo que ouvimos e vemos em nosso noticiário nacional, por toda a mídia brasileira, esse pesadelo das balas perdidas é uma realidade que se torna veloz na produção de tragédias do cotidiano. A realização de um projeto como o do trem bala seria somente a vitória de alguns por ver o sonho concretizado. E mais um sonho apenas do “faz de conta” que aqui somos um país de grande desenvolvimento, numa óbvia ilusão de pé de igualdade com o Japão ou com a França talvez. E um sonho num Brasil que não desenvolveu a tradição do transporte ferroviário, nem de cargas e muito menos de passageiros. É bom ressaltar que, nos países onde o trem de alta velocidade existe e de longa data, também há bem desenvolvido o transporte ferroviário geral. E em especial o de passageiros de longa distância.
Não termos aqui desenvolvido ferrovias, é uma história longa que remonta aos tempos dos coronéis das fazendas ainda à época do império brasileiro. Optamos sempre pelo transporte rodoviário em grande percentual do transporte de cargas e praticamente em todo o executado para passageiros pelo país. E isto também teve suas razões políticas. Os governos sempre falaram dos altos investimentos no setor ferrovias. Todavia, estando elas prontas para o tráfego, o seu custo de manutenção seria muito mais barato do que manter rodovias em perfeito estado de conservação. Isso, perfeito estado de conservação, outro grande problema para os governos.
Com isso, surgiram as questões que sabemos. Fretes rodoviários caros e produtos finais caros para o consumidor, que, aliás, sempre pagou todas as contas. Poucas e precárias ferrovias (hoje um pouco melhores talvez pelas concessões que foram feitas à iniciativa privada), decorrentes dos antigos traçados, poucos quilômetros de malha ferroviária se comparada com a extensão da malha rodoviária brasileira. Bem, mas nada disto agora vem mais ao caso. O que importa é que ainda somos e o seremos por muitos anos (na melhor das hipóteses) um Brasil essencialmente rodoviário, que consome pneus, gasolina, diesel, asfalto, etc, cujas estradas são difíceis de se manterem conservadas, porque também exigem grandes somas de dinheiro por quilômetro.
Resumindo, se o projeto do trem bala entre Rio e São Paulo for um dia concretizado, esse trem irá cruzar a 300 km por hora apenas cerca de 400 km que separam as duas cidades. Será que realizar esse sonho compensa o sacrifício do pagamento dessa conta? A previsão inicial é de gastos de quase R$ 35 bilhões. Embora haja sido noticiado que o edital de licitação para a execução do projeto sairia este ano, o site da Agência Nacional de Transportes Terrestres não informa nada ainda, ou pelo menos o assunto não está tão explícito assim.
Se existirá essa ligação ferroviária veloz entre as aquelas duas importantes cidades brasileiras, só o tempo poderá dizer ou o noticiário quando do início da realização do sonho, ou melhor, das obras. Nesse meio tempo tudo indica que as ações governamentais estarão voltadas para as obras de melhorias de infraestrutura nacional visando à Copa do Mundo no Brasil em 2014, melhorias que previam também a execução do projeto do trem bala. Enquanto isto não acontece, talvez seja melhor que nos preocupemos em escolher autoridades que tenham mais sintonia com a realidade brasileira, das primordiais necessidades de educação, por exemplo, que acabarão nos conduzindo sempre a uma melhor qualidade de vida. E que assim seja pelo menos para nossos netos ou bisnetos. Porque para nós, os que já estamos freqüentando essa vida brasileira há algum tempo, muitos pesadelos ainda irão continuar, tais como os causados por uma simples e mortal bala perdida. Afora os demais pesadelos, que alguns teimam em transformar quase em sonhos, talvez para nos acalmar um pouco.

Nenhum comentário: